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sexta-feira, 11 de março de 2011

O trabalho pode ser determinante para a ocorrência de câncer.

Reportagem de Cristiane Oliveira Reimberg
Ao folhear as páginas amareladas de um velho caderno, José Antonio Domingues, 72 anos, e Eliezer João de Souza, 69 anos, vão se lembrando dos amigos que perderam. Ao ver a ficha de José Alves de Souza, Eliezer conta que esse amigo morreu de mesotelioma, câncer diretamente relacionado ao amianto e que atinge a pleura, espécie de camada de revestimento do pulmão, ou ainda o pericárdio ou peritônio. Lembram-se de outras vítimas. Quatro eram diretores da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto). Desses, três morreram por câncer. Valmir Felonta teve câncer de laringe. Aldo Vicentino e José Roncadin tiveram mesotelioma. Outros nomes são recordados. Sebastião Aparecido da Silva, ex-trabalhador da Brasilit, de São Caetano do Sul, teve câncer em um dos pulmões e asbestose no outro. Também morreu. Outros três amigos que se foram eram de São José dos Campos, ex-trabalhadores da Avibras, dos quais dois tiveram mesotelioma.

O relatório traz nome, endereço e resultados de exames médicos de trabalhadores do amianto e, junto com os dados, as memórias. Eles procuram os registros de José Domingues, o sobrevivente. Para se livrar do tumor, tirou um pulmão em 2002.

A cirurgia de José Domingues foi realizada às pressas no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, assim que o câncer de pulmão foi diagnosticado. "Fiquei sem um pulmão, mas fiquei com a vida", celebra o homem de 72 anos, que confessa ainda ter medo de algo aparecer no pulmão que restou. Com o mesmo medo, convive Eliezer, que não teve câncer, mas já fez cirurgia por causa de placas pleurais. "Hoje estamos bem, mas de um dia para o outro pode aparecer alguma coisa. A nossa luta agora é pela prevenção. Não queremos que as pessoas se contaminem. O amianto tem que ser banido para não continuar matando. Muitos amigos morreram contaminados. Pior é saber que muitos ainda vão morrer e que outros se foram sem saber que o amianto é cancerígeno", lamenta Eliezer, que preside a Abrea.

A história de Domingues com o amianto começou em 6 de agosto de 1976. Nessa data, foi admitido pela Eternit em Osasco/SP. Na empresa, ficou 15 anos, saindo apenas em 1991. "Quando entrei não havia comentários sobre os riscos, só soubemos quando a fábrica já estava para deixar Osasco", conta José. O seu primeiro relatório médico, arquivado na Abrea, data de 1997. Na época ele tinha 59 anos e foi detectada uma limitação crônica ao fluxo aéreo. A Associação funcionava como elo de ligação entre os trabalhadores expostos, o Hospital das Clínicas e a Fundacentro. Foi esse acompanhamento médico que permitiu a descoberta do câncer em 2002. "O médico me disse, após a operação, que se eu não tivesse feito a cirurgia, não duraria 15 dias. Quando fui internado, fiquei apavorado, pois eu nunca tinha sido internado na vida", relembra. Passado o período de adaptação, esse baiano de nascimento, que vivia em Osasco, acabou mudando-se para o interior de São Paulo, onde poderia respirar um ar mais puro. 
ComplexidadeAssim como José e Eliezer desconheciam o risco da exposição, muitas pessoas não sabem que várias substâncias carcinogênicas para os seres humanos estão presentes nos mais diferentes ambientes de trabalho. "A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC 2010) aponta pelo menos 64 agentes ocupacionais e ambientais, grupos de agentes, e misturas, como reconhecidamente cancerígenos para seres humanos - Grupo 1, dentre os 107 listados", afirma a epidemiologista e gerente da Área de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho e ao Ambiente do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Ubirani Otero.

A relação entre câncer e trabalho tem um cenário complexo. O adoecimento, quando acontece, aparece muito tempo depois da primeira exposição e nem sempre se faz o nexo ocupacional. Além disso, a ocorrência do câncer depende de fatores genéticos,  ambientais - que inclui questões como o ar, a água, o local de trabalho - e do estilo de vida. Uma estimativa da OIT de 2000 apontou que de 2.256.335 mortes relacionadas ao trabalho, 634.984 foram causadas por neoplasias malignas. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2007, destacou que cerca de 200 mil pessoas morrem de câncer relacionado ao trabalho a cada ano. A preocupação com a questão é tanta que neste mês, em Astúrias, na Espanha, será realizada a "Conferência Internacional da OMS sobre Determinantes Ambientais e Ocupacionais de Câncer - Intervenções para Prevenção Primária". O objetivo é revisar políticas e incentivar ações para reduzir a exposição ambiental e ocupacional a agentes cancerígenos.

"A prevenção primária, ou seja, evitar a exposição é a abordagem mais importante. Exames para diagnóstico são essenciais, para fins de tratamento - particularmente a detecção precoce - e de compensação. Porém, não podem mudar o fato de que o trabalhador já tem câncer. Os tomadores de decisão em vários níveis devem estar cientes de que o custo do câncer em sofrimento humano é incomensurável, e em termos econômicos, imenso. É muito melhor e mais humano gastar em prevenção do que em tratamento", avalia a higienista ocupacional, Berenice Goelzer.

FONTE: Revista Proteção.

Volta ao trabalho pode ser motivo de doença.

Para muita gente, voltar para o trabalho depois do feriado do Carnaval não tem apenas aquele gostinho amargo de fim de festa: é motivo de dor, sofrimento e até doença. Problemas, cobranças, relações complicadas, a culpa por não gostar do emprego quando muita gente gostaria de estar lá e, ainda, a impossibilidade de abandonar o ganha-pão, somados, tornam-se uma arma contra a saúde emocional e física de todos que estão inseridos nestes ambientes de trabalho hostis e prejudiciais. E os conflitos não ficam restritos a estes locais. Eles ultrapassam a barreira da vida profissional e afetam o dia a dia das pessoas, chegando a prejudicar relacionamentos amorosos, com a família e amigos.

"Muitas pessoas adoecem pelo sofrimento a que são submetidas no emprego. Entretanto, é preciso saber que o trabalho pode ser fonte de prazer. Hoje em dia nossa identidade está muito relacionada com a nossa profissão. Ser produtivo é algo muito positivo que traz um ganho significante de autoestima" explica Duílio Antero de Camargo, psiquiatra e médico do trabalho do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e membro da Comissão Técnica de Saúde Mental e Trabalho da Associação Nacional de Medicina do Trabalho.
Vômitos e tonturaAlguns anos atrás, a advogada trabalhista Alaíde Boschilia, 48, passou por uma experiência traumática. "Eu vomitava todos os dias antes de ir para o escritório. Sentia muita tontura e passava mal o dia inteiro. Procurei diversos médicos porque achava que era algum problema de estômago, mas descobri que não tinha nada de errado. Eu enfrentava um ambiente de trabalho terrível, mas custei até descobrir que era aquilo estava me deixando doente".

A psicóloga clínica autora do livro "Motivação - Os Desafios da Gestão de Recursos Humanos na Atualidade (Ed. Juruá) Thalita Lacerda Nobre diz que, em geral, é possível detectar que algo está errado com alguém no ambiente de trabalho. "Dá para perceber que a pessoa tem mudanças de humor e comportamento. Passa a ficar mais irritada, dá sinais de um cansaço excessivo e adoece constantemente".

Ironicamente, o emprego era uma das indicações para que advogada se recuperasse de uma depressão. Ela estava afastada do mercado há sete anos, porque morava fora do país. "Ir para aquele escritório foi a única oportunidade que tive naquele momento. Eu encontrei no trabalho uma razão para viver. Mesmo com todas as humilhações que eu sofria lá, tinha mais medo de ficar ociosa e enfrentar a depressão novamente", desabafa.

Sua vida mudou quando recebeu outra proposta de trabalho e resolveu pedir demissão. "Até mesmo quando fui comunicar meu desligamento fui maltratada. Expliquei que ficaria um mês para que outra pessoa pudesse ocupar a minha vaga, mas ele mandou que eu me retirasse imediatamente. Depois daquilo, tudo foi diferente. No meu novo emprego eu era valorizada. Hoje, sou uma pessoa realizada, forte e segura".
A empresa tem prejuízoSe muita gente sofre e põe sua saúde em risco pelo emprego, por outro lado, essa dor também não é um bom negócio para o empregador. "Um funcionário desmotivado e desinteressado é ruim em vários aspectos. Ele gera custos médicos importantes com faltas e licenças. A empresa que investe em qualidade de vida no ambiente de trabalho tem ganhos financeiros significativos", explica Thalita.

Mesmo quem não falta, não dá lucro. "Ao contrário do `absenteísmo`, quando a pessoa não comparece ao trabalho, existe o `presenteísmo` que é estar presente, mas com sintomas leves de alguma doença ou distúrbio. Os mais comuns são dores nas articulações, dor de cabeça, alergias, asma e problemas emocionais. Muitos estudos mostram que o `presenteísmo` causa um grande prejuízo", aponta o psiquiatra.

Por tudo isto é muito importante que os gestores das empresas estejam sempre de olho nas mudanças de comportamento de seus funcionários. "A figura do líder influencia muito na motivação diária. Às vezes é difícil, mas o chefe precisa encontrar tempo para ouvir mais o que sua equipe deseja para o futuro, bem como resolver os conflitos existentes", destaca a psicóloga.

"Na nossa realidade, é difícil escolher um emprego. São raros os casos em que a pessoa pode esperar por algo que realmente a motive. Mesmo assim, ninguém pode desistir de ter um trabalho prazeroso. O ser humano precisa sempre melhorar. Enquanto não há uma solução definitiva, procure conviver diariamente com pessoas que se importem com seu bem-estar e assim amenizar um pouco o sofrimento", completa Thalita.


FONTE: Portal iG.